Os meus 2 filhos mais velhos, que estão no início da adolescência, usam atualmente as tecnologias como eu as uso. A minha filha de 3 anos usa o seu iPad, o meu iPhone e o Youtube, quase tão bem como eu. Em minha casa já consigo saber em detalhe quais os programas e consumos energéticos da máquina de lavar roupa. Os meus filhos, inclusive a minha filha, já têm nos seus iPhones e iPads o Netflix, pois já não vêm a televisão tradicional. Quando se deslocam para algum local, onde não os possa levar, já usam Uber ou Cabify (até a minha filha já não diz “táxi”, já diz “vamos de Uber”). Já “ganhamos” tempo no trânsito, usando o Waze. Quando vamos de férias, já vamos experimentando o Airbnb. Estudamos os locais de visita ou de restauração através do TripAdvisor, para além de fazermos algumas reservas e darmos avaliações sobre os serviços obtidos a várias comunidades.
Estes são exemplos de consumo de uma família, que se estão a tornar cada vez mais normais, dado que a tecnologia é cada vez mais simples e usável pelo comum cidadão. E este simples conceito de usabilidade foi, talvez, o maior acelerador de consumo tecnológico do comum cidadão. Foi ele que levou à consequente transformação digital das nossas vidas. Honra seja feita a Steve Jobs, e ao lançamento do iPhone, que colocou o conceito de usabilidade na “palma das nossas mãos”.
A transformação digital do consumidor tem um impacto enorme na forma como as empresas servem os seus clientes, bem como os governos preparam o seu país, e os seus cidadãos, para um mundo novo que criará maiores desigualdades para quem não se preparar.
É aqui que importa falar nestes dois stakeholders da competitividade mundial: as empresas e os governos.
Em primeiro lugar as empresas. Atualmente existem dois grandes grupos de empresas, as que têm mais de 15/20 anos e que já existiam antes desta onda aceleradora tecnológica, as quais lhe costumo chamar Humanprises, que como o nome indica estão muito baseadas em pessoas. E as novas empresas, as quais existem há menos de 10 anos, que denomino por Informationprises, que estão essencialmente baseadas em informação. O que as une são certamente os dados que todas têm. A grande diferença está na forma como usam e trabalham esses dados.
As Humanprises têm toda a sua filosofia centrada num capital de dados muito intenso, complexo e de difícil gestão/previsibilidade, que são os seus recursos humanos. Com isto não quero dizer que os recursos humanos são nefastos às organizações, pelo contrário, são um dos seus principais dados/ativos e que são muitas vezes os fatores diferenciadores, em particular nas empresas orientadas aos serviços. Quero dizer que a competitividade empresarial de hoje, obriga a que essas empresas concorram com as Informationprises, as quais dispõem de modelos de negócio muito mais simples, ágeis e eficientes, obrigando as Humanprises a rapidamente mudar os paradigmas de organização, de processos e de gestão.
O problema das Humanprises são as tecnologias disruptivas das Informationprises, isto é, tecnologias efetivas ou modelos de negócios completamente novos que, com muito menos esforço, prestam um muito melhor serviço ao cliente ou criam produtos substitutos. Isto quer dizer que, as Humanprises se obrigam a mudar o seu centro de processos das pessoas para a gestão da informação, desde os processos de produção e logística, até aos processos de serviço ao cliente final, caso contrário o seu mercado desaparece e, em consequência, a própria empresa.
É aqui que a dimensão da resistência à mudança tem um papel fundamental na sobrevivência da empresa, quer seja o líder que acha que “são modas passageiras”, quer seja o colaborador que “sempre fez assim, e não é agora que vai mudar”. Para quem é das áreas tecnológicas, estas frases são estranhas de existir, mas a realidade é que existe um mundo grande, aliás muito grande, no mercado empresarial onde estas frases são realidade.
Os exemplos que dei dos meus filhos, na ótica de consumo final, são pequenos exemplos do que serão as empresas de media, de transportes ou de turismo daqui a 10 anos. E, 10 anos na vida de uma empresa é muito pouco tempo, mas pode ser o tempo suficiente para mudar e crescer ou manter e morrer. E o mudar é a vários níveis, perceber que há uma necessidade constante de inovar, de buscar a otimização contínua dos seus processos, de automatizar cada vez mais, de criar novos produtos e/ou serviços. Acima de tudo, torna-se fundamental que as lideranças empresariais percebam os novos hábitos de consumo, sejam de clientes finais, em modelos de negócio B2C, sejam de novos hábitos de exigência de níveis de qualidade de serviço, em modelos de negócio B2B.
Em segundo lugar, os governos dos países. Os governos devem ser entendidos como conselhos executivos das empresas. O primeiro-ministro é o CEO! Os cidadãos são os acionistas! Não tenhamos dúvidas. Tal como no mercado empresarial, no “mercado dos países”, os governos devem criar visões para os países, sendo que hoje se exigem claramente visões pragmáticas e menos filosóficas, capazes de compreender que nos devemos preparar para um mundo potencialmente mais desequilibrado e com mais desigualdades sociais, se não souberem trabalhar estrategicamente o seu país e as suas políticas.
Assistimos cada vez mais a mudanças, que aparentam ser estranhas nalguns países, mas que na realidade são sintomas destes crescentes desequilíbrios e desigualdades. Tal como no mercado empresarial, também no “mercado dos países” a dimensão da população não é sinónimo de capacidade produtiva. A preparação de um país para ser o mais ágil ou para ser o mais inteligente daqui a 10 anos, não se faz por decretos, mas por medidas corajosas e não populistas fáceis. Perceber que queremos um país onde os nossos filhos e netos estejam na vanguarda é essencial.
Os governos têm de assumir que, se nada fizerem, em muito pouco tempo teremos graves conflitos sociais, pela automação e robotização de muitos dos empregos de hoje, alicerçado pelos países que anteciparam estas transformações digitais do mundo! Uma vez mais, e tal como anteriormente escrevi em relação às empresas, será uma opção de mudar e crescer ou manter e morrer. Potencialmente, poderemos estar a falar de uma nova mudança geopolítica mundial.
Neste sentido, importa de facto preparar a população desde já para atividades de cariz mais polivalente, com alicerces na educação capazes de incentivar não só a matemática, mas também áreas de indústrias criativas e tecnológicas, pois será a conjugação destas várias áreas que permitirão aos futuros adultos adaptar-se mais facilmente às oportunidades do futuro. Se pensarmos que hoje um aluno que entre na universidade está a estudar conceitos base, que estarão em grande medida desatualizados quando terminarem a licenciatura, é essencial acima de tudo que a educação prepare as pessoas para a diversidade e aumento de abrangência de competências, pois só assim os cidadãos no futuro estarão aptos para se adaptarem à constante (e mais rápida) mudança, que terão nas suas vidas futuras.
Os governos têm também, por isso, de assumir que a mudança “por dentro”, isto é, perceberem que se eliminarem mais rapidamente vários dos processos internos, os quais muitas vezes que existem para manter empregos no curto prazo, mais rápido será a transformação positiva do país, isto é, maior será a competitividade do país no médio prazo. Ter a coragem de fazer políticas de médio e longo prazo e não pensar na eleição do ano!
Exemplos vários destas transformações podem ser dados, na Justiça, na Saúde, na Economia, etc. E… não estou a falar em criar novas leis, estou mesmo a falar de mudar ou eliminar leis que vivem para processos burocráticos.
Sei que é fácil escrever, pois o comum cidadão não vota em alguém que lhes diga “vai perder este emprego, mas vai ter um novo a fazer outra coisa diferente”. Uma coisa é certa, a manutenção do status quo, que hoje assistimos, da discussão política inócua de “ataques pessoais e de linguagem de baixo nível” só atrasa os países e a sua competitividade futura.
Quer no caso das empresas, quer no caso dos governos, é preciso coragem, determinação e saber demonstrar que o mundo não está só em constante mudança, como sempre ouvimos. É preciso saber explicar que o mundo está numa mudança de velocidade extrema, como nunca vimos até aqui, pois a Lei de Moore da tecnologia já vai longa e todos os 2 anos a velocidade duplica, e quem não a souber acompanhar ficará pelo caminho.
PS – Muito mais poderia detalhar em ambos os stakeholders, mas deixarei para futuros artigos …
[tmm name=”rui-ribeiro”]
Leia mais artigos deste autor.