Disrupção. A buzzword está na boca de todos os gestores quando querem abordar tecnologias mais sofisticadas ou o futuro do negócio. O termo “Inovação disruptiva” foi cunhado no livro “The Innovator’s Dilemma” (1997!) e identifica o padrão decorrente de grandes empresas ignorarem um segmento pequeno mas emergente para manter uma posição lucrativa num determinado mercado. Por exemplo, quando as marcas de câmaras fotográficas decidiram ignorar a fotografia digital – inicialmente, uma tecnologia lenta e com pouca qualidade – o resultado foi a extinção. As principais editoras de música também encararam o MP3 como um formato de pirataria e hoje são controladas por serviços do Spotify, Apple ou Google. É um termo paradigmático que importa investigar logo que possível, sobretudo se trabalharmos numa agência de comunicação ou de publicidade.
Isto porque a segunda parte do séc XX foi ótima para as agências. A massificação dos media quintuplicou o mercado da publicidade em 20 anos e todos os miúdos cool (ou wannabe’s como eu) queriam trabalhar numa agência, ganhar imenso dinheiro, ter as suas ideias produzidas e promovidas na televisão, ir a festas, ganhar prémios, conhecer modelos e escrever best-sellers com as memórias de tudo isto.
Mas eis senão quando, aparece a Internet!
Era um media muito nerd e que, por isso, atraía muitos nerds – muita da publicidade inicial limitava-se a banners que piscavam, àqueles pop-ups manhosos que promoviam bloqueadores de pop-ups – tudo formatos publicitários focados em visitas, visualizações, números, números, números… Ou seja, temas cinzentões, aborrecidos, nada criativos, eram uma grande chatice.
E que marcas investiam nessa publicidade? Marcas nerds, de informática e da Internet que comunicavam para informáticos e utilizadores de Internet os produtos informáticos que se vendiam onde? A internet ainda não atraía as grandes marcas de consumo, que só começaram a interessar-se quando nós, os utilizadores menos habituados a termos técnicos e a protocolos estranhos, começámos a navegar facilmente nela. Ou seja, enquanto o media foi pequeno, lento e com um público de nicho, as agências não estiveram lá. Mas a partir do momento em que as grandes marcas se interessaram e o investimento apareceu, as agências rapidamente entraram na Internet, certo?
Nada disso. Nos primeiros anos do século, os principais grupos publicitários viam a Internet como um filme de culto mau – tinha virtudes, apreciá-la revelava algo sobre nós mas ainda assim era algo barato e sem qualidade. Uma ameaça? Sim, um pouco, dado que atraía o público que estava em frente a um computador, no trabalho ou em casa. Mas as agências ainda tinham a rádio, os outdoors, a TV, os jornais, as revistas – se quiséssemos comunicar durante o resto do dia com alguém, os meios estavam salvaguardados.
O report anual de 2005 da WPP diz-nos na página 32 “2005 will perhaps be remembered as the year that digital marketing went from niche to mainstream. Underlying the growth of digital marketing are the two monster trends in the global communications business: 1) consumers seizing control of their media and entertainment choices; and 2) marketers stepping up their pursuit of accountability and return on investment.”
Subitamente, as agências tradicionais começaram entusiasticamente a comprar agências digitais, sobretudo as que faziam o mesmo que as tradicionais (campanhas criativas) mas num contexto digital – na altura, não lhes era fácil perceber como a Internet não representava apenas um novo meio, mas uma disrupção brutal no mercado, que ficou ainda mais visível a 29 de Junho de 2007.
Os smartphones começaram a consumir e a gerar conteúdo online on the go, em carros, na rua, com os amigos – o que tocou na área sagrada do rádio, outdoors, jornais e revistas. Nada estava a salvo da Internet. E a indústria de gestão de meios começou a transformar-se.
Mas eis senão quando, aparecem as consultoras!
As primeiras a identificar a oportunidade do “digital” foram as consultoras de gestão e IT (Accenture, Deloitte, IBM), sobretudo porque tinham acesso direto aos CEOs e CFOs de grandes empresas, que começavam a pedir aquilo que as agências tentavam desesperadamente conter ou simplesmente ignoravam – estatísticas, dados analíticos, indicadores de performance e todas as métricas necessárias para avaliar o trabalho de Marketing.
Caía o ultimo baluarte de resistência à Internet nas grandes empresas – o Diretor de Marketing (ou CMO), que durante tanto tempo considerava o seu departamento como uma escola de arte e se encantava por todo o glamour e prémios que as agências lhe ofereciam, tinha agora de obedecer a critérios matemáticos para validar o sucesso da sua atividade. Foi uma mudança tremenda no paradigma do marketing corporativo que mudou decisivamente o modo como as empresas passaram a entender os profissionais de marketing.
Ainda num esforço de resistência, as agências clamaram que as consultoras desvalorizavam o seu trabalho, porque não entendiam como o trabalho criativo podia adicionar valor à estratégia de comunicação. Claro que essa desvalorização era sobretudo visível no corte das grandes campanhas publicitárias e tudo porque a disrupção tinha criado uma nova fé: a de que podemos medir os nossos esforços de comunicação e nesse aspeto todos os formatos publicitários já se tinham entretanto sofisticado no volume de números, estatísticas, funções, cálculos, previsões que cada CEO ansiava. Aliás, foi precisamente nesse momento em que as consultoras entraram a ganhar no domínio das agências – mal perceberam que estas não possuíam a vocação de quantificar objetivos e resultados, era só uma questão de tempo até as grandes empresas as contratarem para criarem este novo tipo de campanhas.
Ao se focarem na sua cash cow offline e monumentalmente ignorarem o mercado de margens curtas que era a internet, as agências abriram o flanco à entrada de concorrentes. Agora temos consultoras tecnológicas criativas, creative technologists e agências criativas que promovem ferramentas analíticas e parcerias com consultoras tecnológicas (como – promoção descarada – aquela onde trabalho).
E eis senão quando, aparece a Realidade Aumentada!
E a Realidade Virtual, embora o verdadeiro impacto para um profissional de publicidade esteja na aumentada. E porquê? Bom, primeiro pelos sinais que semeei ao longo deste artigo: mercado de nicho, por agora lar de nerds com pouca visibilidade, tem um potencial de transformação tão grande que ainda nos é difícil imaginar o impacto – ou seja, é uma disrupção.
Depois porque altera fundamentalmente o trabalho das agências – transforma totalmente o storytelling e como os marketeers criam engagement com o consumidor. E se os objetos são virtuais, a interatividade é real. Os utilizadores vão ter o superpoder de personalizar o seu ponto de vista sobre a realidade física. Por isso, os marketeers vão reaprender a influenciarem esse ponto de vista. A gestão de meios de comunicação vai implodir como a conhecemos – simplesmente porque poderemos inserir mensagens publicitárias onde quisermos. Merchandising, marketing direto, publicidade, CRM, tudo vai mudar.
Será o regresso dos outdoors, radio e anúncios TV, agora em versão digital? Possivelmente teremos essa tentativa e outras – por isso, precisamos agora de todo aquele potencial criativo que está e estará essencialmente nas agências para criarem, testarem, falharem e encontrarem o mais rapidamente possível as formas de interação do futuro.
Ainda faltam alguns passos para a vulgarização da tecnologia junto do consumidor: ela começará com o primeiro motor de busca de Realidade Aumentada e após isso, com um dispositivo exclusivo para a exploração de Realidade Aumentada no mundo – possivelmente, óculos de Realidade Aumentada.
Por isso mesmo, este é o momento ideal para uma agência avaliar como a Realidade Aumentada transforma o processo de comunicação. Como entendemos um espaço, um percurso, lhe atribuímos vários significados e a forma como os utilizamos para criar experiências de marca – essas vão ser as preocupações diárias das agências aumentadas daqui a três, quatro anos. Ou daquelas que sobreviverem à disrupção.
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